A Nissan está nadando contra a maré — literalmente. Enquanto praticamente todas as montadoras apostam em sistemas híbridos convencionais como ponte para a eletrificação, a marca japonesa traçou um caminho radicalmente diferente: rejeitar os híbridos tradicionais e investir tudo na tecnologia e-Power, um sistema onde apenas o motor elétrico move as rodas. É uma aposta ousada que está dividindo opiniões dentro e fora da empresa, especialmente diante da crise financeira que assombra a montadora.
A estratégia da Nissan é clara e provocativa: ela não quer fazer mais do mesmo. Mas será que essa teimosia tecnológica é genialidade visionária ou tiro no pé? Os números recentes sugerem que talvez tenha sido precipitação demais, mas a empresa insiste que está no caminho certo — e acaba de lançar a terceira geração do e-Power para provar isso.
O que torna o e-Power tão diferente (e polêmico)?
Para entender a aposta da Nissan, é preciso compreender o que separa o e-Power dos híbridos tradicionais. Nos sistemas convencionais usados por Toyota, Honda, Hyundai e praticamente todo mundo, o motor a combustão e o motor elétrico trabalham juntos para tracionar as rodas, alternando ou somando forças conforme a necessidade.
No e-Power, a lógica é completamente diferente: o motor 1.5 turbo de três cilindros jamais toca as rodas. Ele funciona exclusivamente como gerador de eletricidade, que alimenta uma bateria pequena (apenas 2,1 kWh) e o motor elétrico que, sozinho, move o carro.
Em resumo:
- Híbrido tradicional: motor a combustão + motor elétrico → ambos movem as rodas
- e-Power: motor a combustão → gera eletricidade → motor elétrico move as rodas
É tecnicamente um “elétrico movido a gasolina”, ou um “híbrido em série” — o único do tipo disponível em carros de passeio no mercado.
As vantagens que a Nissan defende com unhas e dentes
A montadora argumenta que o e-Power entrega benefícios que híbridos convencionais não conseguem:
1. Condução 100% elétrica, sempre
Como apenas o motor elétrico traciona as rodas, a experiência ao volante é idêntica à de um carro totalmente elétrico: aceleração instantânea, suavidade total, silêncio e aquele “empurrão” característico que todo EV entrega.
Não há mudanças de marchas, não há intervenção abrupta do motor a combustão, não há aquela sensação “riscada” de híbridos tradicionais quando o motor térmico assume. É linear e previsível do início ao fim.
2. Motor a combustão sempre no ponto ideal
A grande sacada engenheirada pela Nissan está na eficiência. Como o motor 1.5 turbo nunca precisa tracionar rodas, ele pode operar sempre na faixa de máxima eficiência térmica, independente da velocidade do carro ou das condições de direção.
A terceira geração do e-Power, lançada recentemente no Qashqai europeu, alcança impressionantes 42% de eficiência térmica — superando os 41% dos melhores motores Toyota e Hyundai. Pode parecer pouco, mas 1% a mais em eficiência representa milhões de litros de combustível economizados globalmente.
3. Simplicidade mecânica
Sem transmissão complexa, sem embreagem, sem sistema de acoplamento entre dois motores. O e-Power elimina componentes que tradicionalmente quebram, vibram e encarecem manutenções.
“Quando você liga o motor à transmissão, você traz vibração e custo”, explica um porta-voz da Nissan. A simplicidade também significa menores custos de produção e manutenção mais barata no longo prazo.
4. Autonomia real superior a muitos PHEVs
A terceira geração do e-Power promete autonomia superior a 1.200 km com um tanque cheio — mais do que muitos híbridos plug-in que carregam baterias gigantes e caras.
Em testes reais, o Nissan Qashqai e-Power atravessou o Reino Unido de ponta a ponta (mais de 1.300 km) com apenas um tanque de gasolina, consumindo média de apenas 3,76 l/100 km. São números que deixam híbridos tradicionais no chinelo.
O problema: o mercado não esperou pela Nissan
Agora vem o ponto doloroso. Enquanto a Nissan desenvolvia e aperfeiçoava o e-Power (lançado no Japão em 2016), o mercado global — especialmente o americano — explodiu em demanda por híbridos tradicionais.
O CEO Makoto Uchida admitiu recentemente: “Até o ano passado, não conseguimos prever a rápida ascensão na demanda por híbridos”. A insistência da Nissan de que o comportamento do consumidor era “moda passageira” impediu a empresa de reagir a tempo.
Os números da crise são alarmantes:
- Queda de 90% no lucro operacional no primeiro semestre fiscal
- Queda de 94% no lucro líquido
- Redução de 13,1% nas vendas nos Estados Unidos
- Percepção de que os carros Nissan estão “ultrapassados” frente aos rivais
“Tem gente que entra no site procurando por Rogue híbrido e desiste quando vê que não existe”, revelou Ponz Pandikuthira, vice-presidente sênior da Nissan Americas. É venda perdida em massa.
A virada: e-Power finalmente vai aos EUA em 2026
Diante do desastre financeiro, a Nissan finalmente anunciou que o sistema e-Power chegará aos Estados Unidos em março de 2026, começando pelo próximo Rogue (equivalente ao X-Trail).
E aqui está a jogada mais audaciosa: quando o novo Rogue chegar, ele será oferecido primeiro com e-Power — e só depois virá uma versão a combustão tradicional. É o oposto da estratégia dos concorrentes, que tratam o híbrido como alternativa opcional, não como ponto de partida.
É ousadia pura. A Nissan está apostando que conseguirá converter consumidores americanos a uma tecnologia que eles ainda não conhecem, enquanto rivais já entregam híbridos tradicionais testados e aprovados.
Brasil: e-Power confirmado para X-Trail em 2026
Por aqui, a Nissan também embarcou na mesma estratégia. O X-Trail, confirmado para chegar ao Brasil no segundo semestre de 2026, virá exclusivamente com sistema e-Power híbrido.
O SUV médio trará motor 1.5 turbo de três cilindros funcionando como gerador, dois motores elétricos (um por eixo) gerando 213 cv combinados, e tração integral e-4ORCE de última geração.
A Nissan promete consumo urbano superior a 22 km/l e aceleração de 0-100 km/h em 7 segundos — números impressionantes para um SUV de quase 4,70 metros.
O X-Trail e-Power competirá com:
- Toyota Corolla Cross híbrido (sistema tradicional)
- Jeep Compass híbrido (sistema tradicional)
- GWM Haval H6 híbrido (sistema tradicional)
- CAOA Chery Tiggo 7 PHEV (plug-in tradicional)
Será o teste definitivo: consumidores brasileiros preferirão a novidade tecnológica do e-Power ou a segurança dos sistemas já conhecidos da concorrência?
Terceira geração: as melhorias que podem mudar o jogo
A Nissan não ficou parada. A terceira geração do e-Power, que está chegando agora, traz avanços significativos que respondem às principais críticas:
Melhorias confirmadas:
- Consumo reduzido de 15% no urbano e 14% no rodoviário
- Emissões caíram de 116 g/km para 102 g/km (-12%)
- Potência aumentada de 190 cv para 205 cv
- Ruído reduzido em até 5,6 dB
- Intervalos de manutenção ampliados de 15 mil para 20 mil km
- Motor 1.5 turbo com eficiência térmica de 42% (melhor da categoria)
Uma das inovações é o primeiro motor do mundo a usar “sedes de válvulas aplicadas por cold spray” — um revestimento metálico pulverizado a velocidades supersônicas diretamente na cabeça do motor, reduzindo turbulência e melhorando fluxo de ar.
A aposta de 16 novos sistemas híbridos até 2027
Percebendo que não pode depender apenas do e-Power, a Nissan anunciou planos de introduzir 16 novos sistemas de propulsão híbridos até 2027, uma tentativa de equilibrar o portfólio e atender diferentes segmentos.
Isso sugere que, finalmente, a empresa está recuando parcialmente da teimosia e considerando oferecer híbridos tradicionais em alguns modelos — ainda que o e-Power continue sendo a aposta principal.
Veredicto: genialidade ou teimosia cara?
A história vai julgar se a Nissan estava certa ou errada. Por enquanto, os fatos mostram:
Argumentos a favor: ✅ e-Power oferece experiência de direção superior aos híbridos convencionais ✅ Eficiência térmica de 42% é a melhor da indústria ✅ Simplicidade mecânica reduz custos de longo prazo ✅ Autonomia real supera muitos plug-ins que custam mais caro
Argumentos contra: ⚠️ Mercado queria híbridos tradicionais e Nissan não tinha ⚠️ Crise financeira severa (90% de queda no lucro operacional) ⚠️ Concorrentes já dominam tecnologias híbridas maduras ⚠️ Consumidores desconfiam de tecnologias desconhecidas ⚠️ Reação tardia pode ser tarde demais
O mais provável é que a Nissan estava tecnicamente certa — o e-Power é genuinamente superior em muitos aspectos — mas comercialmente precipitada. Apostar tudo em uma tecnologia enquanto o mercado pedia outra foi arriscado demais.
Agora, com a terceira geração chegando e os primeiros modelos e-Power finalmente desembarcando nos EUA e Brasil, veremos se a teimosia japonesa se transforma em case de sucesso ou em advertência sobre os perigos de nadar contra a maré.
E você, toparia comprar um carro com e-Power ao invés de um híbrido tradicional? Ou prefere a tecnologia já conhecida? Compartilhe nos comentários!


